quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

nem sempre.

como te tenes que irte? si recien te vi llegar -
15/01/2020

Eu acordei assustada. Você tinha mudado de posição na cama e me apertava entre a parede e teu peito. Assim, sem querer, me acordou do meu sono agitado e de uma sequência de sonhos ruins. Abri os olhos e você me olhava com teus olhos fechados. Tão bonito e tão longe. Tão injusto.


Tua respiração pesada ritmava o óbvio. Nós não tínhamos mais nada pra fazer ali. Teu corpo forte não sabia mais como abrigar o meu. Só me apertava de uma forma estranha, como se tentasse me fazer caber num espaço onde eu não conseguia mais entrar. Eu te olhava e podia escutar como o afeto que eu te tinha se misturava ao desespero de saber que eu ia te deixar ali, que nossos rumos até então paralelos estavam tão entrelaçados em outros anzóis que era impossível que o amor nos salvasse.

O nosso plano era justo. Nosso futuro implícito fazia tanto sentido que me parecia absurdo ter perdido tanto tempo com outras pessoas e ter tido tão pouco tempo contigo. Mas eu queria o mundo inteiro e você ficava satisfeito com os domingos de sono e televisão. Eu queria a certeza de estar, você queria o prazer da gente nova. Só que nossas coincidências não foram suficientes pra desembaraçar a teia de quereres e não-quereres que tecíamos sem perceber enquanto a primavera devagar ia embora.

Me levantei da cama e segurei o fio que acercava as nossas vidas despretensiosamente. Percebi que o algodão suave tinha se transformado em nylon e agora cortava minha pele. Olhei no espelho e vi que nosso quarto estava cheio de vultos que não conseguíamos dissipar e o chão estava machado com nosso sangue, que insistíamos em deixar sair na esperança de que ele se convertesse milagrosamente em construção. 

Te olhei e parti. Deixei meus discos na estante da sala e a mala que há tanto tempo me esperava na porta de entrada. 
Deixei meu sangue.
Sai e só. 

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