quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não é dor não, moço. É só saudade.

Tem dia que eu acordo assim, sentindo falta..


Minha janela sempre aberta me acorda cedinho, com um sol assim meio cinza, as árvores secas e amarelas, balançando de leve nesse inverno cruel do sul da América do Sul. Não tão sul, e não tão cruel. Só inverno. Só longe. Só cheio de saudade.

Cheio de saudade das manhãs que o sol me acordava sem pena, pelas frestas da cortina da janela do ônibus, enquanto eu atravessava com sono e com pressa o Rio de Janeiro. Todos os dias. Eu ficava assim meio acordada, olhando as bicicletas, as pessoas tão acostumadas a passar, acostumadas ao sol, a areia, a buzina.

Sabia que um dia, talvez muito tempo depois, eu ia olhar a janela procurando o Cristo Redentor iluminado no calor de mais de 40°C. Ou a praia de Botafogo cheia de gente molhada quando a chuva vinha ligeira. Então eu aproveitava quietinha de dentro do meu ônibus com o ar condicionado no insuportável, pra manter homeostático o corpo dos executivos e advogados dentro de seus ternos e terninhos, a caminho de seus escritórios no centro da cidade. Eu sorria sozinha. Sorria dentro da minha saia indiana, caminhando pro melhor-trabalho-do-mundo. Imaginando o calor que ia sentir no concerto a noitinha no salão sem ventilador.

Eu sabia que em cada barco que eu pisasse eu ia procurar a fila, a gente. A barraquinha pra comprar dez pães de queijo por um real. Eu ia olhar na janela e procurar se afastando a praça, o paço, as torrezinhas de tantas igrejas concentradas num lugar só. Ou a gente colorida do carnaval da Praça XV. A barca lotada de arlequinas, noivas, palhaços, negas-malucas. A música alta do palco de domingo-de-carnaval.

E ia contar da Lapa, dos Arcos, e da gente toda diferente, toda bonita e de todo o jeito que a gente encontra por lá. Do centro turbulento, sujo, de gente de verdade. Dos bolivianos (ou peruanos?) que tocavam flauta no Largo da frente, da Ouvidor, das propagandas da rádio Saara. Da energia que a gente roubava pra fazer nossos sambas numa praça esquecida nos fundos do prédio. Porque a gente andava sem medo, sambava, se encontrava, de noite, nos dias de folga, nas sextas-feiras de tarde quando ninguém ia pra aula pra ficar cantando junto com a velha juke box do Bar das Putas. Esperando o fim do expediente. Esperando pra chegar na Luis de Camões, ali perto da Tiradentes. Tão perigoso, tão escuro. Tão nossa casa.

É de onde eu venho, moço. E pra onde eu sempre vou querer voltar. Pra fevereiro e março, pra Realengo, praquele abraço.





3 comentários:

Jeanne disse...

A melhor parte, pra mim, é saber que nesse abraço caibo eu.

Alguem disse...

q lindo! q linda! ai ai q saudad! volta!

Dani otra vez disse...

:-) Adorei!scn