sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Não é soberba, é amor.

A porta se fechou como uma porrada a minhas costas, e eu fiquei ali. Parada no limbo entre o desespero e a ressurreição. No caminho pra casa tocavam todas as minhas músicas, que já não faziam sentido nenhum, mas pela primeira vez, eu respirei. Senti o ar gelado daquela puta noite de inverno entrar e quase congelar meu sangue. Meu sangue. Eu tava viva, e nem sabia porque. Só sabia que aquela miséria desesperadora, que arrancou meus músculos dos ossos nesses últimos dias, tinha desaparecido e agora era só um vazio sem tamanho e nem fim. Só uma falta de matéria. E de energia, ou do que caralho fosse. 

Eu não saberia explicar porque depois de anos caminhando nessas ruas sujas de pedra, onde eu me reconhecia tão bem, eu desapareci e deixei metade dos meus planos. Não eram mais meus. Repassei rápido, enquanto esperava o sinal abrir, todas as boas ideias que eu já tive, e nenhuma me pertencia mais. Foram elas que me deixaram ali, despida e sem nada no meio da rua, mas ainda assim era eu que sentia o peso da culpa de não tê-las mais. Como se a porrada na porta tivesse esmagado a minha vida inteira. 

Então esse ar gelado, essa chuva longe que molhava meu casaco pesado, me fizeram ver que é o vazio a fonte criadora do mundo. Como disse há muito tempo alguém muito mais inteligente que eu, não se pode ocupar um espaço com duas coisas diferentes. Onde há dor não há essência. Logo eu, que há tanto tempo desisti, senti que meu peito rachava em dois, e vi como no meio do nada nascia a vontade que eu nunca tive. Ou tive, e nem lembro mais. Me vi aqui, tão cheia de porrada e com vontade de abrir a janela todos os dias, nem que seja pra inundar minha casa dessa chuva de merda que cai há dias.

Sorri sozinha com a certeza que essas ruas deixaram de ser minhas, sem conhecer mais a poeira que cobre cada esquina desse bairro. Pude crescer. Já eram muito mais que cinco da manhã, e como que pra me dar o último golpe de misericórdia, o céu clareou e o sol me deu um soco nos olhos, tão inesperado nesses dias cinza. Me separei da espécie. Larguei o casaco e as certezas. Caminhei e morri pela última vez.


[Vendrá um nuevo amanecer.]

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