quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

as palavras que contam a história sagrada.

Eu sempre estive lá. Com a saia rodada e a touca vermelha de primavera. Eu vi toda a gente. Chegar, sair, chorar, voltar. Mas nunca era você. E eu estou, eu espero. Espero tudo. Porque não importa, porque não consigo explicar esse nó no peito, a garganta seca e essa falta enorme. Essa falta que você acredita que não faz.
Eu que já não tenho sonhos ou esperança em nada. Eu que sempre quero esquecer, só lembro do tempo que nem a gente sabe de verdade se existiu. Dos planos que eu desenhei na parede do meu quarto. Das minhas buscas e desejos pra quando formos grandes, pra quando construirmos nossa casa de fazenda na Patagônia. E a gente? E os nossos planos de viagem pra Bolívia? De descer até Ushuaia e subir pelo Chile, de conhecer o calor estafante do Rio?
E se meu corpo trava todas as vezes que o Noel canta? Qual é a solução se já não sei mais o que é normal? Eu só posso te prometer que eu fico, mas perdi o direito de te pedir pra voltar. Não posso te pedir pra lidar com isso que nem a gente sabe o que é. Lidar com minha inconstância, meus destroços, minha vida de brincadeira que eu finjo que reinvento todos os dias. Eu quero o que eu não posso tocar. Eu já escolhi. Eu já encontrei. E se você acredita em karma, o meu é não poder chegar.
Então só fica minha culpa óbvia de tentar preencher todo esse vazio de qualquer jeito. Esse histórico de lutas estúpidas que me fizeram não acreditar em mais nada, e ainda assim, querer demais. Escutar em loop eterno todas as suas músicas ruins que eu guardei pra tentar te ter mais perto.
O que resta é ajustar a vida pra viver sozinho.
[pequeno lou, ugly jack, profeta john.]
I'd stop the world and make you mine. [If I had a gun.]




[de volta a onde não devia ter saido - 2011]

nem sempre.

como te tenes que irte? si recien te vi llegar -
15/01/2020

Eu acordei assustada. Você tinha mudado de posição na cama e me apertava entre a parede e teu peito. Assim, sem querer, me acordou do meu sono agitado e de uma sequência de sonhos ruins. Abri os olhos e você me olhava com teus olhos fechados. Tão bonito e tão longe. Tão injusto.


Tua respiração pesada ritmava o óbvio. Nós não tínhamos mais nada pra fazer ali. Teu corpo forte não sabia mais como abrigar o meu. Só me apertava de uma forma estranha, como se tentasse me fazer caber num espaço onde eu não conseguia mais entrar. Eu te olhava e podia escutar como o afeto que eu te tinha se misturava ao desespero de saber que eu ia te deixar ali, que nossos rumos até então paralelos estavam tão entrelaçados em outros anzóis que era impossível que o amor nos salvasse.

O nosso plano era justo. Nosso futuro implícito fazia tanto sentido que me parecia absurdo ter perdido tanto tempo com outras pessoas e ter tido tão pouco tempo contigo. Mas eu queria o mundo inteiro e você ficava satisfeito com os domingos de sono e televisão. Eu queria a certeza de estar, você queria o prazer da gente nova. Só que nossas coincidências não foram suficientes pra desembaraçar a teia de quereres e não-quereres que tecíamos sem perceber enquanto a primavera devagar ia embora.

Me levantei da cama e segurei o fio que acercava as nossas vidas despretensiosamente. Percebi que o algodão suave tinha se transformado em nylon e agora cortava minha pele. Olhei no espelho e vi que nosso quarto estava cheio de vultos que não conseguíamos dissipar e o chão estava machado com nosso sangue, que insistíamos em deixar sair na esperança de que ele se convertesse milagrosamente em construção. 

Te olhei e parti. Deixei meus discos na estante da sala e a mala que há tanto tempo me esperava na porta de entrada. 
Deixei meu sangue.
Sai e só.