quinta-feira, 7 de janeiro de 2021
as palavras que contam a história sagrada.
nem sempre.
como te tenes que irte? si recien te vi llegar -
15/01/2020
Eu acordei assustada. Você tinha mudado de posição na cama e me apertava entre a parede e teu peito. Assim, sem querer, me acordou do meu sono agitado e de uma sequência de sonhos ruins. Abri os olhos e você me olhava com teus olhos fechados. Tão bonito e tão longe. Tão injusto.
Me levantei da cama e segurei o fio que acercava as nossas vidas despretensiosamente. Percebi que o algodão suave tinha se transformado em nylon e agora cortava minha pele. Olhei no espelho e vi que nosso quarto estava cheio de vultos que não conseguíamos dissipar e o chão estava machado com nosso sangue, que insistíamos em deixar sair na esperança de que ele se convertesse milagrosamente em construção.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
Cobra cega.
Mesmo quando eu fizesse a gente discutir no meu restaurante preferido depois de você pagar a conta. Você levantaria e me deixaria sozinha. Mas estaria lá.
Estaria milimetrando de perto meus passos. Pra ter certeza que eu notaria tua ausência justificada. Pra se certificar que eu ia aprender a estar do teu lado. Pra me mostrar com detalhes as vezes que eu saí dos trilhos enquanto você deliberadamente se afastava pra me ensinar.
Você estaria longe, mas sempre ali. Sempre perto pra me lembrar que os pedaços que eu ia deixando no caminho me deixavam cada vez mais oca, cada vez mais invisível. Cada vez mais necessitada do teu braço forte pra me conduzir, porque sozinha eu já não conseguia chegar a lugar nenhum.
E eu ficaria te esperando. Com as costas feridas de tanto cansaço, só pra te ouvir subir o tom por eu estar atrasada, ou por ter confundido o lugar. Culpa minha não entender o teu cuidado. Culpa minha não saber lidar com a sobrecarga, não saber manejar meus horários. Rezava pra dessa vez você chegar e me guiar no caminho pra casa enquanto eu estava tão entorpecida, sem saber se esse vazio era fome ou desespero.
Eu fui seguindo teus passos. Esquivando de cada porrada na parede que errou de leve a minha cara. Bloqueando todas as portas que você ameaçava cruzar levando junto os pedaços do meu espírito já quase inexistente. Porque só você conhecia a pessoa que eu era agora. Só você me abraçava a noite quando eu soluçava de saudade de quem eu era, perdida nessa viagem que eu me culpava por ter escolhido e agora não sabia arrombar a saída. Só você prometia ficar mesmo que tenha sobrado só a minha casca vazia.
Ruí inteira. Perdi o ar, perdi o espaço. Me perdi e nos perdemos. E no meu desespero de ser inteira, pulei de roupa e tudo no mar. Desesperada. Agoniada. Esperando que a correnteza abrigasse o pouco que sobrou. Que me lavasse dessa culpa e desse medo. Que me levasse e me impedisse de nadar de volta. Fiquei à deriva, delirei arco-íris, construí um farol e nadei sem plano e sem rumo buscando onde eu pudesse ancorar.
Cheguei na praia em pedaços.
Morta de medo.
Livre.
terça-feira, 28 de maio de 2019
misma sed; distinto paladar
domingo, 7 de abril de 2019
quis partir você.
Eu me esforcei pra, no dia seguinte, não lembrar das tuas promessas apressadas, despejadas em cima da mesa depois de uma noite de cigarro e cerveja. Ou pra achar normal teu braço apertando a minha cintura todas as vezes que voltávamos pra casa. Eu ri dos nossos desencontros e evitei as conversas de madrugada pra não me trair e ficar. Quis evaporar essa vontade, naturalizar os teus olhos me seguindo todas as vezes que eu entrava na sala.
Então eu fui embora. Porque todas as vezes que eu fico, eu me esqueço e esqueço que no fim eu termino lidando com essa falta enorme. Termino vendo todas essas pequenas coisas se perdendo, como um quebra-cabeças cruel que jamais termina de encaixar. Não me recupero nunca e passo o resto dos dias buscando nessas cidades mal iluminadas alguém que sorria como você, pra diminuir esse aperto que eu sempre vou sentir.
Me acostumei a ser furacão. Me acostumei a não conseguir apagar o incêndio que eu mesma provoco e a queimar até o final. E me queimei tanto, que agora só me sinto velha e cansada. E cheia de manchas roxas e pedaços faltando. Cheia de espaços vazios que eu queria encher de vontade como sempre antes de chegar até aqui. Cheia de medo que eu queria não ter, pra poder te contar que meu corpo ainda tem o formato do teu, e que vou deixar a água do mate esquentando, por se, mesmo assim, você quiser chegar.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
Não é soberba, é amor.
A porta se fechou como uma porrada a minhas costas, e eu fiquei ali. Parada no limbo entre o desespero e a ressurreição. No caminho pra casa tocavam todas as minhas músicas, que já não faziam sentido nenhum, mas pela primeira vez, eu respirei. Senti o ar gelado daquela puta noite de inverno entrar e quase congelar meu sangue. Meu sangue. Eu tava viva, e nem sabia porque. Só sabia que aquela miséria desesperadora, que arrancou meus músculos dos ossos nesses últimos dias, tinha desaparecido e agora era só um vazio sem tamanho e nem fim. Só uma falta de matéria. E de energia, ou do que caralho fosse.
Sorri sozinha com a certeza que essas ruas deixaram de ser minhas, sem conhecer mais a poeira que cobre cada esquina desse bairro. Pude crescer. Já eram muito mais que cinco da manhã, e como que pra me dar o último golpe de misericórdia, o céu clareou e o sol me deu um soco nos olhos, tão inesperado nesses dias cinza. Me separei da espécie. Larguei o casaco e as certezas. Caminhei e morri pela última vez.
quarta-feira, 27 de junho de 2018
Eu também não.
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Disritmia
sexta-feira, 27 de junho de 2014
sábado, 5 de outubro de 2013
Dez anos. Ou dez dias.
Dez anos passaram, e eu lembro daquela noite melhor que minha mente velha e cansada podia suportar. Lembro do barulho do teu carro triturando a areia na porta da minha casa, da campainha antiga, que tocava engraçado. Lembro de não querer abrir, de pensar que se eu nunca mais te visse, isso nunca ia acabar. Isso, em que a gente sempre insistiu e sempre foi tão claro. Isso que me fazia sobrecarregar meus neurônios e meu fígado em dias alternados, mas que por alguns anos me fez rever todas as minhas certezas.
Lembro da força que você bateu a porta quando você gritou teus piores planos. Cruentos, venenosos, como se você quisesse cravar essa faca o mais fundo que você conseguisse. Como se teu desprezo não tivesse sido suficiente pra destroçar o que tinha sobrado da minha paz. Lembro dos teus olhos vermelhos, que provavelmente nem estavam vermelhos, mas é assim que eu lembro deles. Porque a única coisa que você tinha no rosto era fúria, era o resultado da soma de todos os pensamentos equivocados que você já teve na vida, plasmados numa cara que agora parecia tão diferente da tua.
E hoje, depois de dez anos, ainda tenho tuas coisas guardadas. Tuas fotos, tuas roupas, e essa coisa gigante que eu tenho dentro de mim, e que por mais que eu negue todos os dias, segue sendo tua. Todas essas coisas que você esqueceu aqui sem querer, e nunca mais reclamou.
Dez anos e eu nunca mais te vi. Nunca mais soube dos teus planos de mudar o mundo. Mas acho que você, sempre acostumado a ganhar, perdeu essa. Porque fora minha pele marcada, e esses fios brancos que insistem em aparecer, faz dez anos que meu mundo segue o mesmo.
Why must it drift away and die?